terça-feira, junho 01, 2010

Retorno da Velha Ordem

Já que voltamos e já que a ordem é postar coisas que já foram postadas, vamos lá:



DESEJOS INDEVIDOS

Eliseu, um jovial quarentão, casado há mais de 15 anos com Helena, sem filhos por opção, situação financeira estável e definida, enfim, possuía uma vida tranqüila. Sempre foi um marido devoto, lembrando-se de todas as datas importantes ao casal, fazendo surpresas agradáveis à sua esposa sempre que tinha vontade, evitando que seu relacionamento caísse na mesmice. Ambos estavam satisfeitos, mas Eliseu teve sua rotina quebrada quando seu patrão anunciou a entrada de uma nova funcionária em sua repartição. Cláudia era o nome daquela que atraía os olhares libidinosos de todos à sua volta, mas que respondia apenas com indiferença. Morena de olhos verdes e pernas generosas, mostrava-se absolutamente profissional com todos, jamais dando abertura para intimidades indesejáveis e possíveis atrevimentos por parte de seus colegas.
Naquele dia, Eliseu chegou em casa no horário de sempre, beijou sua esposa, afagando-lhe os cabelos em seguida.

- O que fez hoje, meu bem? – indagou o sempre dedicado marido.
- Nada de especial... Limpei parte da casa, fiz compras pro jantar, o de sempre. E você?
- Hoje entrou uma funcionária nova na empresa. É a única mulher que vejo lá nos últimos 10 anos. Bastante incomum.
- E ela é bonita? – perguntou Helena, dando o tom de piada à pergunta com um leve sorriso.
- Sinceramente, não reparei. Sabe que só tenho olhos pra você, não sabe? – disse ele, abraçando-a em seguida e partindo para pequenas brincadeiras sexuais enquanto se dirigiam até o quarto.

Na manhã seguinte, dirigia-se até o trabalho em seu carro, quando avistou uma figura conhecida a poucos quarteirões de sua casa. Era Cláudia, deslumbrante como sempre, andando pela rua. Aproximou-se e educadamente ofereceu-lhe carona, oferta prontamente aceita.

- Não sabia que morava por aqui - disse Eliseu, tentando ser simpático.
- É, eu moro ali naquele prédio da esquina. Foi sorte ter te encontrado, pois perdi o ônibus e chegaria bastante atrasada se fosse caminhando até a empresa.
- Ora, passo aqui diariamente. Posso te dar carona sempre, se quiser.
- Seria muita gentileza de sua parte, mas sua esposa não acharia incômodo? – perguntou ela, mantendo o ar de seriedade, fitando a aliança na mão de Eliseu.
- Minha esposa sabe que a amo profundamente e sabe que jamais faria algo que a magoasse – respondeu, sem pestanejar.

Dito isso, o silêncio imperou no carro até chegarem ao seu destino, separando-se em seguida e iniciando mais uma vez suas rotinas de trabalho. O resto do dia dispensa comentários, pois nada fora do padrão aconteceu, com exceção da hora em que Cláudia foi até Eliseu pedir-lhe uma caneta, colocando a mão em seu ombro enquanto falava. Por algum motivo estranho, aquilo o perturbou momentaneamente, talvez por ela evitar qualquer proximidade com os outros, mas logo esqueceu o ocorrido.
Dias mais tarde, um colega de trabalho se aproximou de Eliseu e disse:

- Soube que anda dando carona pra Cláudia. Fala a verdade... O que tá rolando?
- Sim, dou carona pra ela, pois mora perto da minha casa. Rolando o quê?
- Ah, seja sincero comigo, Eliseu... A mulher é um avião e parece que só tem algum nível de intimidade contigo aqui, pois é fria com todo o resto do pessoal. Vai me dizer que não acontece nada entre vocês?
- Olha, eu respeito minha mulher, Sérgio. Se o conceito de fidelidade te é estranho, não posso fazer nada. Dou carona pra Cláudia e é só. Somos colegas de escritório e, no máximo, amigos.
- Tá legal, tá legal... Não está aqui quem perguntou. Mas vai dizer que nunca encarou aquelas pernas disfarçadamente?

Eliseu não o respondeu, apenas franziu o cenho e voltou ao trabalho. Procurou manter-se concentrado, mas as indagações de Sérgio latejavam em sua mente. Teria aquela mulher – a quem ajudava de forma totalmente altruísta – segundas intenções em relação a ele? Após algumas horas, percebeu algo que o incomodou ainda mais: achava Cláudia extremamente atraente e, com muito pesar, assumiu para si mesmo que já havia pensado nela enquanto fazia sexo com sua esposa. Naquela noite, inventou um motivo qualquer para dormir no sofá da sala, sozinho.
Na manhã seguinte, quando Cláudia entrou em seu carro e acomodou-se, cumprimentando-o, Eliseu sentiu uma gota de suor frio correr-lhe pela lateral do rosto. Estava visivelmente nervoso, um pouco trêmulo e evitava falar, com medo de que sua voz fraquejasse.

- Está tudo bem, Eliseu? Parece um pouco... Sei lá, estranho – indagou Cláudia.
- Eu... Eu estou meio gripado, é isso – respondeu, evitando virar o rosto na direção de sua carona diária.
- Tem certeza de que está tudo bem? – perguntou ela, colocando a mão sobre a perna de Eliseu e olhando-o fixamente nos olhos.
- Eu... – disse fracamente, parando o carro, fechando os olhos e respirando lentamente – Eu não sei o que se passa comigo.
- Pode ser mais específico, por favor? – disse a moça, acariciando levemente o joelho de Eliseu, o que lhe causou um tremor forte e instantâneo pelo corpo.
- Cláudia, você é a mulher mais incrivelmente linda que já conheci em minha vida. Sinto que traio minha esposa pelo simples fato de te desejar secretamente, mas não consigo reprimir o desejo. Meu Deus, eu falei...
- Hm, bem... Foi bom ter tocado nesse assunto, Eliseu. Confesso que sempre me senti atraída por você, mas evitei ao máximo qualquer proximidade desse tipo, por respeito ao seu casamento.
- Cláudia, tem noção de como isso me abala? Há quinze anos que me dedico inteiramente à minha esposa e sinto tudo isso desabando por causa desse desejo adolescente. O que acha que devo fazer agora?

Dito isso, Cláudia aproximou-se e tocou os lábios de Eliseu com os seus, fazendo-o se calar, partindo para um beijo intenso e repleto de carícias.
Consumado o crime, ambos se olharam timidamente e, sem dizer nada, Eliseu ligou o carro, cruzou ruas e avenidas, atravessou o subúrbio, acabou saindo da cidade e, para surpresa de Cláudia, foram parar em uma colina, da qual se tinha ampla visão da região.

- Foi aqui que tive minha primeira relação sexual com minha esposa, há cerca de 17 anos – disse ele, descendo do carro, acompanhado de Cláudia.
- O que tem em mente, Eliseu? – perguntou ela, com um sorriso cheio de lascívia, tão incomum naquele rosto normalmente sisudo.
Bruscamente, a tomou em seus braços e ambos foram ao chão, sobre um pequeno gramado, onde, entre brincadeiras, ele a possuiu. Durante cerca de 40 minutos, esqueceram-se de todo o mundo ao seu redor, seus compromissos, suas obrigações e deveres e, ao final de todo aquele êxtase proibido, enquanto a inundava com o fruto de sua excitação, as mãos de Eliseu envolveram o frágil pescoço de Cláudia e, entre sussurros e engasgos, pôs fim ao seu pecado.
Naquela noite, seu sono foi perturbado com sonhos desagradáveis que não o permitiam esquecer o ocorrido.

- Está tudo bem, querido? – perguntou Helena, que não conseguia dormir com tanta agitação.
- Está, meu bem... Está tudo maravilhoso... Como nunca estivera... – respondeu ele, beijando ternamente os lábios de sua mulher, fechando os olhos e voltando a dormir, agora mais tranqüilo, pois tinha noção de que era a única pessoa que sabia o que jazia sob a terra naquele pequeno gramado, onde, há 17 anos, ele e Helena se conheceram intimamente.

terça-feira, maio 18, 2010

The chaos strikes back



Este blog está completando quatro anos.

Após um ano de inatividade total, causado por um rompante ditatorial prussiano de minha parte (que resultou no I Grande Expurgo de Todo o Conteúdo do Blog), resolvi recolocar em andamento o curso de tal ferramenta blablabla troloris schluuuurp.

Tenho uma relação bem complexa com este espaço, pois me remete à uma época em que o Marcell (o outro merda que caga bosta aqui) e eu vivíamos sob a égide de um orçamento TÃO, MAS TÃO REDUZIDO, que as melhores histórias provém desta época (pra ilustrar bem o troço, o Marcell morava num apartamento INVADIDO em Novo Hamburgo, SEM LUZ, com R$120 por mês e comendo pão/mortadela e ração de gato). Nesta época, aos trancos e barrancos, publicamos nosso primeiro livro, que, aliás, é uma merda.

Enfim... hoje nossa vida melhorou. O Marcell mora em Caxias do Sul, no apartamento de Zelador (mas consegue pagar um aluguel), tem uma alimentação rica em nutrientes e possui luz elétrica. Eu continuo sendo um merda, mas tenho um cartão de crédito.

Não sei o que o Marcell fará com o espaço dele aqui, se é que vai fazer. Eu vou publicar as merdas que escrevo, ao menos até segunda ordem.

ps: não fiz a correção desta merda e tô cagando e andando. Acredito que o NEOMOBRALISMO é o novo caminho para a Literatura Brasileira.


Gestores

Síndico: - Pois bem, peço o silêncio...
Velha do 402: - ... a culpa é da sua filha, que chega em casa todos os dias depois das onze horas e fazendo algazarra!
Proprietária do 401: - Dona Gertrudes, minha filha está morando em Londres faz seis anos!!
Síndico: - Por favor, um minuto, eu...
Proprietário do 602: -Pois eu digo mesmo, Alaor, eu digo. É um absurdo o som alto que seu filho ouve.
Alaor do 502: - Mas, Camargo, meu filho nem música ouve... deve ser a moça do 401...
Proprietária do 401: - Minha filha não mora aqui há seis anos!!
Síndico: (batendo na mesa) – Ei, pessoal! Temos assuntos a tratar... assuntos da máxima relevância...
Gostosa do 104: - Minhas calcinhas têm sumido do varal... acho que precisamos reforçar a segurança...

Proprietário do 204 sorri aliviado: as calcinhas na gaveta do filho adolescente não eram um sinal de viadagem.

Síndico: (batendo com as duas mãos na mesa) – Atenção, ei, aten... ei, alô, por favor...
Velha do 402: - Calcinha no varal... que pouca vergonha!
Proprietário do 203: - Coitada da moça! Todo o mundo sabe das pescarias de varal do filho punheteiro do Silveira, do 204...
Proprietário do 204: - Ah, é? E sabe onde o punheteiro do meu filho vai toda a tarde quanto o senhor e a senhora sua esposa, dona Márcia, saem para trabalhar?

Foi preciso que os vizinhos apartassem. Ambos queriam briga.

Proprietário do 203: - Mantenha o viado do seu filho longe da minha filhina! A Carolina é uma criança... inocente, ainda...
Síndico: (batendo com o sapato na mesa) PAM PAM PAM

Proprietário do 701: - Tá, mas quem é essa tal de Carolina?
Proprietário do 503: - Aquela loira gostosa que usa calça de ginástica coladinha...

Os vizinhos tiveram novamente que intervir. Nada mais natural que um pai proteja dos pedófilos sua criança inocente de 19 anos, peito 100, cintura 70, quadril 95.

Proprietário do 601: - Pois é, tudo muito legal, tudo muito bonito... mas... e aí? E o bêbado que chega todas as noites depois da meia-noite, gritando e fazendo escândalo...
Proprietária do 404: - Escuta aí, careca, você não se meta na minha vida e do meu marido. Pois saiba o senhor que ele não bebe... acontece que ele tem labirintite...
Proprietário do 601: - Velho Barreirite, a senhora quer dizer...
Síndico: (aos berros) – Ei, atenção! Esta reunião foi convocada para tratarmos... Ei! Larga a cadeira! Não precisa disso...
Proprietária do 404: - Velho Barreiro, é?! Velho Barreiro é o que o senhor bebe desde que a sua mulher “foi viajar” (fez as aspas com os dedos) há 1 ano e ainda não voltou...

Novamente entra a turma do deixa-disso

Sindico: (gritando) – Alguns condôminos ainda não pagaram o condomínio deste mês, e...
Proprietário do 203: - É o Silveira, caloteiro clássico do prédio!
Proprietário do 204: - É. É que é difícil ter como pagar o condomínio levando em conta a quantidade de preservativos que preciso comprar para o meu filho não engravidar a sua filha!

Desta feita não houve tempo para apartar: o pau comeu feio. Alguns dos moradores aproveitaram para, no meio do entrevero, golpear desafetos.

Síndico: Minha gente! Ei! Vamos parar! Temos assuntos para discutir... ei, solta essa cadeira!

Proprietário do 203: - Camisinha? Aproveita e compra umas pra Dona Solange (mulher do proprietário do 204) que é pra o enhor não precisar sustentar um filho do Orestes, o porteiro!
Proprietário do 204: - Como é que é?!
Proprietário do 402: - Ihh... o corno é sempre o último a saber...
Síndico: Ei! Não me importa quem é corno! Condomínio! Atrasos! Vamos pagando...
Proprietária do 404: - Pior do que isso é que tem gente (olhando para o proprietário do 601) que está careca de saber que foi largado pela mulher...
Proprietário do 601: - Minha esposa está fazendo um curso no exterior, e... ei, parem de rir, seus putos... e além do mais, quem não tarda em ser largada é a senhora. Seu marido, até entendo, só bebendo pra encarar essa carcaça pelancuda...
Proprietária do 404: - Ora, seu...
Proprietário do 601: - A propósito, será que hoje ele acha o caminho de casa?
Proprietário do 204: - ... tá, mas que história é essa do Orestes porteiro?

Risos gerais

Síndico: Ei, ei! Por gentileza... ei, calma... o senhor vai pagar pela manutenção desta cadeira... ei, vamos ser razoáveis... ei, porra, seu filho da puta, solta este vaso! Por favor, há muito débito aqui... eu...

Proprietário do 504: - Pessoal! Pessoal! Por favor, eu gostaria de falar uma coisa!

(silêncio)

Proprietário do 504: - Olha, eu sou o vizinho novo de todos vocês. Me mudei ontem , e, hoje, ao pegar o elevador, vi o informativo sobre a reunião com os condôminos.
Pensei: nem vou até o meu apartamento – e olha que tenho muito o que fazer nele – mas quero conhecer logo os novos vizinhos.
Liguei pra mulher e avisei que estaria na reunião... quero dizer, eu poderia estar em casa, mas estou aqui, pois queria conhecer a todos... prazer, eu sou o Padilha. Cláudio Padilha.

Uns murmuraram: “Muito prazer”, “oi”, mas o que mais se ouviu foram cochichos de “que vergonha”, “olha, na frente do homem”, “o que ele vai pensar” e etc.

Síndico: - Ora, ora! Vizinho novo e eu nem estava sabendo... pois então, seu Padilha, quais são suas expectativas quanto ao prédio?

Proprietário do 504: - Eu, na verdade, estou bastante otimista. Vejo que hão arestar a serem aparadas, mas, poxa! Todos trabalhamos demais, ou temos filhos adolescentes, prestações, chefes chatos, funcionários preguiçosos... acaba que o condomínio se torna como que uma família forçada.
O prédio é a válvula de escape, e, por isso, acabamos por brigar...
Proprietário do 203: - Com licença, o senhor trabalha com o que mesmo?
Proprietário do 504: - Ah, perdão! Eu sou Gestor em Excelência de Market share. Tome, fique com meu cartão, até para quando quiser uma ajuda pra pintar garagem, conversar sobre política, futebol (e estendeu o cartão).
Bem, eu tenho uma porção de idéias, mas estou chegando agora e gostaria de, se possível for, ouvir as de todos (sorriu).

Ficou decidido que o novo vizinho falaria por primeiro, afinal, todos queriam apagar a primeira impressão causada.
E assim foi feito

Por cerca de 40 minutos todos ouviram maravilhados os planos de Cláudio Padilha para “implementação de novos paradigmas quanto à potencialização da separação do lixo”, “agregar valor ao condomínio, substituindo a calefação central por captação de energia solar” e “sistema de rodízio intrapessoal”, este último que ninguém entendeu mas todos acharam o nome bonito.
Após sua explanação - aplausos e tapinhas nas costas e exclamações de “graaaande Padilha” e “esse sim é gestor de verdade” e “Padilha para síndico predial” (esta última causando um certo mal-estar entre o síndico e o novo messias do condomínio (logo contornado pela simpatia deste)) – foi a vez dos demais.

Proprietário do 101: - Eu sugiro câmeras de segurança...
Proprietária do 102: - Eu sugiro uma pintura nova em roxo e verde...
Proprietárioa do 104: - Exijo protetor individual para varais...

Etc.

Até que chegoua a vez do Coimbra, velho habitante do prédio:

Coimbra: - Bom, eu como mais antigo morador desta edificação, exijo a troca da lâmpada do meu 5 andar por uma mais forte, que a visão já não é a mesma de uns anos atrás...
Proprietário do 504: - Ah, então somos vizinhos de andar, senhor...
Coimbra: - Coimbra!
Proprietário do 504: Pois então, seu Coimbra, qual é o seu apartamento mesmo?
Coimbra: - 504!
Proprietário do 504: (...)
Coimbra: - O que houve?
Proprietário do 504: - Estranho... eu achava que o meu fosse o 504...
Coimbra: (...)
Proprietário do 504: (...)
Coimbra: (...)
Proprietária do 401: - Ah, vai ver o senhor se enganou, vai ver é o 604...
Proprietário do 604: - Não. O 604 é o meu...
Padilha: - Esperem! Este prédio é o Piazza Sbaglio, certo?
Síndico: - Sim, é o Piazza Sbaglio, bloco B.
Padilha: - Tem dois blocos????
Uníssono: - Tem!!!!
Padilha: Puta merda, entrei no bloco errado!

Grande gestor, você, Cláudio Padilha!



Escutando: Kind of Blue - Miles Davis (1959)